quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Lá, não sei onde... Quando chegar o tempo.

Recentemente li uma mensagem de uma amiga, numa Lista de Discussão, falando de uma cidade do interior, onde as pessoas são "calmas e felizes". E aquelas palavras me remeteram, num relance, a memórias que eu pensava esquecidas.

Ah! Um dia me mudo para uma cidadezinha dessas...

Me lembro de minha infância e adolescência, quando ia muito ao interior do Ceará, passando férias em casas de meus tios-avós maternos.

Nas palavras de Paulo César, cantor e compositor do Grupo Logos: "Acordar bem cedo e ver o dia a nascer... E o mato molhado anunciando todo o cuidado de Deus".

Ah, aquele cheirinho de estábulo e passarinhos de todos os tipos cantarolando ao redor da casa – não tem que dinheiro que pague. Tomar leite com pão quentinho, queijo coalho assado e ovo frito, para depois sair andando, sem pressa nem hora, pelas veredas abertas na matinha, árvores frondosas por todo lado a nos sombrear, até chegar nas casas do pessoal simples e hospitaleiro, onde nos aguardava um tacho de queijo ainda sendo feito, ou a delícia de um “alfinim” bem puxado, como chamávamos por lá. A hora do lanche era regada a mel de engenho com farinha, iguaria que nenhum restaurante chique da cidade grande consegue entender...

Amava tomar banho de rio, bóia feita de cabaças... Ou então daquelas menos naturais, porém não menos divertidas, de câmaras de ar de pneu de trator. Quem viveu isso? Cabia umas três crianças numa só! Na beira do rio disputávamos espaço com galinhas d´água, jaçanãs e outros bichinhos que fuçavam por ali, catando comida.

O almoço, aquele feijão bem temperado, macaxeira cozida com manteiga, carne de sol desfiada... Hummmm, e a sobremesa era aguardada com ansiedade, aquele doce de leite ou de goiaba, ainda meio quentinho, acabado de fazer ali mesmo. Mais tarde, hora de pescar.

À noite era uma graça, sentávamos no meio da rua para contar e ouvir histórias de fantasmas, de cemitério, de lobisomem, saci e caipora. Ainda cedo todo mundo entrava, à luz de lampião e lamparina, e se não fechássemos logo as portas os “sapos-cururu” entravam na casa aos montes e a gente tinha que enxotá-los. Tudo era uma diversão.

Falando em pescar, tive a impagável chance de morar um ano no interior do Mato Grosso, ainda pré-adolescente, tempo em que esperava ansiosamente o sábado de manhãzinha para sair, debaixo de um frio congelante, e pescar lambari com varinha de bambu. Mais tarde voltávamos com um cesto cheio, para assar tudo com farinha e ficar comendo debaixo de uma árvore, defronte o rio, ao som de corredeiras e cachoeiras, contemplando a paisagem, conversando ou lendo revistas do Capitão Marvel, do Fantasma, dos Sobrinhos do Capitão.

Mas eu nasci mesmo foi no Piauí, na maravilhosa Parnaíba, cidadezinha pacata e gostosa de se viver. Ruas à sombra de grandes árvores, pés de oiti, jambo e mangueiras centenárias, frondosas. Na casa de meus avós paternos, gente humilde dotada de maravilhosos talentos artísticos, um quintal de uns 12 metros de fundo, cheio de árvores frutíferas e com direito a lagoinha para os marrecos. Encher baldes e baldes puxando água em bomba manual era diversão, e não trabalho.

Muitas vezes passei roupa com ferro de brasa, e ajudei minha avó a acender o fogão a lenha. A TV era ainda em preto e branco, começava às quatro da tarde, se jantava ás 18 horas, mas às nove da noite todo mundo se recolhia, a luz era cortada e entrávamos debaixo de mosquiteiros, pois as muriçocas se atiçavam e não tinha quem agüentasse. Mas tudo era levado na esportiva, na naturalidade. Até chegar o sono, o tic-tac do pêndulo do carrilhão, lá na sala, marcava a cadência que governava aquela vida despretensiosa e tranqüila.

Êta, saudade, meu. Hoje meus filhos nem imaginam o que é isso. Mas não é só culpa da cidade grande, não. O próprio interior mudou muito... Mas sei que, em algum lugar, ainda existe a vida bucólica a que me referi. E é lá, não sei onde, que quero terminar meus dias, quando chegar o tempo. Esse é um de meus pedidos a meu bom Deus...

Ricardo Marques.

(28/11/2007)

3 comentários:

Anônimo disse...

Olá Macho véio...
Ainda não conhecia esse seu lado literário :-).
Parabéns pelo seu Blog.
Jesus Cristo te abençoe!
Grd abraço
Heraclio

Unknown disse...

Ricardo,

A descrição que você faz de sua meninice nesse paraíso bucólico faz eco em minhas lembranças. Como você, morro de saudades de um tempo em que o tempo não escorria por entre nossos dedos. Nada de correria, ao contrário, tinha tempo para brincar com meu avô de decifrar imagens nas nuvens que o vento carregava!!!

Jamile

Dalinha Catunda disse...

Ricardo,
Às vezes as pessoas acham que sou saudosista. NÂO!!! eu sou é feliz por ter vivido e convivido com a magia do interior e por Deus ter me dado a oportunidade, de mesmo morando numa grande cidade, ter meu pedaço de chão na terra em que nasci. De me renovar e ser feliz a cada temporada que passo por lá, de tomar banho no rio que me viu menina, de comer tapioca, com manteiga da terra, de ver uma farinhada, de exercitar meu lado interiorano que eu adoro e certamente é o lado esquer do peito.
Valeu amigo, pelo texto e por me trazer um pouco do interior.
Dalinha Catunda